segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Capítulo 1 - Roma

Roma, ano 324 da era Cristã. No salão de audiências ouviam-se os gritos do poderoso general:

- Saia já da minha frente, verme inútil!


Desapareça, suma, ou não sei o que faço com você!

Licínio2, agressivo, empurrou o mensageiro que se mantinha curvado diante dele, fazendo-o cair nos degraus da escadaria próxima. O jovem logo se ergueu e, aterrorizado, saiu rapidamente da sala. 


Sabia do que aquele velho general era capaz.

Constância entrou a tempo de presenciar a cena e, verificando a enorme irritação do marido, indagou:


- Por que maltrata tanto o pobre rapaz? Ele trouxe más notícias? O experiente general do império endereçou olhar furioso à esposa e limitou-se a dizer:


- E seu irmão outra vez.


Aproximando-se do marido e buscando aparentar calma, Constância insistiu.


- E o que foi agora?


- Sei muito bem o que ele planeja, suas intenções...


- O que houve?


Medindo a mulher de alto a baixo, o general disse, enquanto saía apressado do amplo salão:


- Não vai vencer, escreva o que digo... Por Zeus! 


Ele não vai vencer!

Constância fez Licínio estacar na porta ao argumentar:


- Constantino é determinado e ardiloso. Consegue tudo aquilo que deseja.


Ele virou-se para ela e esbravejou, ainda mais contrariado, deixando perceber todo o seu furor contra o opositor:


- Tem conseguido ampliar o território sob seu poder à custa de muito ouro e muitas vidas romanas. Sabe seduzir os generais com seus argumentos e pontos de vista, mas não é perfeito.


Pelos deuses! Quem ele pensa que é? Quer dominar todo o império. Quer tornar-se o único César, poderoso e absoluto!

Constância afirmou, hesitante:


- Provavelmente sim.


- Pois ele não conseguirá! Vou impedi-lo, custe o que custar! A mulher segurou o braço do marido e advertiu:


- Seja cauteloso. Com Constantino, todo o cuidado é pouco. Por favor, veja lá o que planeja. Além do mais, é meu irmão, e não quero que nada lhe aconteça. - Não se iluda, Constância. Ele jamais teria qualquer piedade de você.


A esposa argumentou:


- Está enganado. Constantino é um homem determinado, ambicioso e astuto, mas é justo. Não faria nada que me prejudicasse, a menos que eu o prejudicasse primeiro. Portanto, pense muito bem antes de agir contra ele.


Sem responder, o velho general desapareceu pelo corredor, deixando a esposa a meditar. Respeitava o marido e admirava o irmão; queria bem aos dois, mas temia pelas atitudes sempre intempestivas de Licínio. Sentou-se e, observando pela janela a movimentação dos soldados sob as ordens do marido, ficou a se perguntar o que exatamente estaria acontecendo. Licínio se irritava muito com as atitudes de Constantino; embora antes fossem muito próximos (até mesmo o seu casamento havia sido negociado com o irmão, para estreitar os laços entre eles), agora estavam a ponto de um confronto direto. Depois de muitas lutas e combates, mentiras e traições, assassinatos e disputas cruéis, que não poupavam ninguém e nem mesmo laços familiares dos mais próximos, Constantino havia conquistado toda a região ocidental do império, tornando-se o imperador do Ocidente, e Licínio era então o Augusto do Oriente. Ambos dividiam o poder do imenso território sob a égide da águia.


O olhar de Constância, que parecia perdido, encheu-se de temor. Ela continuava a refletir que haviam sobrado apenas os dois e que seu irmão não dividiria o poder. Pressentia que eles iriam entrar em confronto direto, e não demoraria muito. 


Tirando de sob as roupas, junto ao peito, uma pequena cruz de madeira que trazia pendurada em uma corda fina feita de couro, apertou-a com uma das mãos e pediu, baixinho:

- Ajude-me, Jesus, por favor. Proteja Constantino e também Licínio. Não deixe que minha família seja dizimada por essas disputas estúpidas de poder! Por favor, Nazareno, olhe por mim...


Ainda segurava firme a pequena cruz quando sua serva pessoal entrou, ofegante:


- Minha senhora, precisa vir depressa!


- Calma, Ana. O que foi?


- Venha, senhora, rápido! Uma desgraça está prestes a acontecer! A senhora precisa impedir!


Constância acompanhou Ana pelos corredores do palácio até chegar à porta do gabinete do marido que, aberta, permitia que o escutasse a gritar pela sacada do amplo salão, diretamente aos soldados. 


Enfurecido e enlouquecido, ele gritava:

- Meus leais servidores, moradores da bela e poderosa Bizâncio, obedeçam às minhas ordens. 


Quero que todos os funcionários cristãos deixem seus postos e partam imediatamente. Que não fique um só em meu reino. Todos fora! São traidores, perigosos, eu os quero longe daqui. 

Todos servem a Constantino!

Constância aproximou-se do marido e, segurando-o pelo braço, implorou:


- Acalme-se, por favor! O que está fazendo?


Ele arremessou-a para longe com toda a violência, fazendo-a cair sobre um banco e depois sobre uma mesa mais adiante. A serva ia entrar para socorrer sua senhora, que continuava no chão, ferida, quando Licínio, olhando-a com fúria, gritou:


- Não ouse entrar em meu gabinete, cristã imunda! 


Suma daqui! A ordem é para você também! Suma da minha frente ou acabo com você com minhas próprias mãos! Já! Desapareça!

Em seguida ele voltou para a sacada, e continuou a gritar aos subordinados:


- Até o final do dia quero todos os cristãos bem longe daqui. Todos eles, sejam romanos ou não! 


Não quero um remanescente! Aqueles que não concordarem com minhas ordens, podem partir também. Quero limpar meu reino dessa praga e vai ser hoje mesmo.

Constância permanecia no chão, desacordada e ferida na cabeça. Total-mente cego pelo ódio que sentia por Constantino e por seus freqüentes avanços militares, Licínio escrevia uma ordem expressa para que, em todas as cidades de seu reino, os cristãos fossem banidos imediatamente de qualquer cargo ou função que tivessem em qualquer área relevante. Que se tornassem todos es-cravos! Assim que terminou, saiu da sala com o pergaminho nas mãos e sumiu no corredor, diretamente para o grêmio onde ficavam os seus soldados mais graduados. Levava pessoalmente a ordem.


Ana, que se afastara aturdida, buscou ajuda de outra serva de confiança de Constância, que mantinha em segredo sua opção pelo Cristianismo, e pediu:


- Helena, precisa ajudar a senhora! Ela está ferida.
- O que houve?


- Já escutou a ordem do imperador Licínio?


- Sim, já correu por todo o palácio.


- A nossa senhora tentou intervir e ele a empurrou...


Ana começou a chorar angustiada. Helena trouxe-lhe um pouco de água e pediu:


- Fale, o que houve?


- Eu acho que a matou...


- Não é possível! Ele não seria capaz... - Acho que foi sem querer. Ele estava com muita raiva, jogou-a com força e ela caiu e bateu a cabeça na mesa... Vi que sangrava... Se não está morta, acho que está morrendo...


Pálida, Helena ergueu-se dizendo:


- Precisamos ajudá-la!


- Eu não posso. O imperador me impediu de entrar em seu gabinete e me quer fora do palácio. Se me encontrar de novo por aí, é capaz de me matar...


Precisava ver como ele estava... Parecia fora de si, enlouquecido... Você precisa ajudá-la... Eu não posso fazer nada!

Helena pensou por um instante e, virando-se para Ana, pediu:


- Vá então, Ana, vá antes que ele a encontre. Mas primeiro peça a Juliano para vir até aqui; diga que a mãe está ferida, não fale de suas suspeitas mais graves.


Olhando para o céu, disse:


- Tenho esperança de que ela esteja apenas ferida.


Agora vá. Procure por Juliano e diga que me encontre no gabinete de Licínio. Vamos socorrer Constância.

Antes de sair, ao alcançar a porta, Ana se voltou e disse, em lágrimas:


- Tome cuidado, Helena. Ele está fora de si...


Ana saiu depressa e Helena correu pelos corredores, encontrando amigos e parentes que, com alguns pertences nas mãos, fugiam assustados. Ela seguiu até atingir a parte mais alta do edifício, onde ficava o amplo salão de Licínio. 


Observou que estava vazio e correu até Constância. Havia sangue espalhado sob sua cabeça e Helena constatou que o ferimento era grave. Debruçou-se sobre o peito da outra e escutou-lhe o coração. Ainda batia. Logo, Juliano entrou, à procura das duas:

- Estou aqui.


Ele estava lívido, com as mãos trêmulas e suando frio. Olhou para a mãe e depois para Helena e perguntou, assustado: 


-Ela... está...

- Ela está viva, mas precisamos tirá-la logo daqui e tratá-la. Se perder mais sangue, não sei o que poderá acontecer...


- É claro! Mas o que foi que deu no meu pai dessa vez?


- Não sei, Juliano. Acho melhor você se preocupar com isso depois. Agora precisamos socorrer sua mãe.


- Claro...


Helena rasgou parte de suas vestes e cobriu o ferimento, procurando estancar o sangramento. 


Assim que o curativo improvisado ficou pronto, Juliano carregou a mãe para seu quarto e colocou-a na cama.

- E agora, o que faremos? Helena não titubeou: 


- Vou procurar ajuda. Fique aqui com ela e não deixe ninguém se aproximar antes que eu chegue, está bem?

O rapaz balançou a cabeça afirmativamente.


2 Valério Liciniano Licínio, coimperador romano no período de 308 a 324 d.C.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Introdução - O Mar Estava Agitado O mar estava agitado. A pequena embarcação se afastava com dificuldade, buscando alcançar o navio que ...