segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Capítulo 5 - Era Madrugada 

Era madrugada quando o mensageiro de Constantino alcançou os portões de Bizâncio. Constância, que se recuperara quase completamente do triste incidente com o marido, deu um pulo na cama e sentou-se, tremendo, assustada. Ofegante, tirou o pequeno crucifixo que trazia junto ao peito e suplicou:

- Mestre Jesus, socorra-me e à minha família. Meu coração está opresso e me diz que algo sombrio está por acontecer. Ajude-nos, por favor...


Sem compreender por que a dor no peito a oprimia tanto, não pôde conter as lágrimas que lhe desciam pela face alva. Pedindo repetidamente o socorro de Jesus e de seus enviados, ela finalmente conseguiu acalmar-se e voltou a se deitar. 


Entretanto, por mais que tentasse, não conseguia conciliar o sono e revirou-se na cama até o sol brilhar intenso no céu do Mediterrâneo.

Assim que adentrou os portões da fortificada cidade, o mensageiro do Augusto do Ocidente deu de comer ao seu cavalo e descansou brevemente. 


Tinha ordens de seu general para retornar com a resposta de Licínio tão logo a obtivesse. Quando o dia amanheceu, dois soldados da guarda pessoal do imperador vieram buscá-lo:

- O imperador Licínio irá recebê-lo agora. Acompanhe-nos.


Prontamente o mensageiro os seguiu até o imperador. Ajoelhado diante do grande general que dividia o poder do império romano com Constantino, o jovem permaneceu calado, aguardando as instruções do soberano, que depois de longo silêncio indagou:


- O que quer Constantino?


- Os sármatas ameaçam nossa fronteira, senhor, e Constantino pede autorização para cruzar seu território, a fim de surpreender o inimigo, antes que este avance sobre Roma.


- O quê? Que estratégia ridícula é essa de seu imperador? O que ele pretende? Vamos, responda!


Sem erguer os olhos, o rapaz apenas disse:


- Eu não sei, senhor. A única orientação que recebi foi para pedir-lhe a autorização e retornar imediatamente com sua resposta.


Licínio sorriu, cínico, e insistiu:


- Não sabe? Tem certeza? Vociferou então, com o rapaz:


- Vamos, diga o que Constantino planeja! Você não é um soldado? Deve saber, então.


Trêmulo, o rapaz redarguiu:


- Eu não sei, senhor, apenas cumpro ordens. 


- E por que Constantino planeja atacar os sármatas por minhas terras? É certamente o caminho mais longo. Decerto ele planeja algo contra mim.

Licínio levantou-se e caminhou até a janela da ampla sala. Ficou longo tempo em silêncio, olhando pela janela. Depois, aproximou-se do rapaz e, encostando a cabeça na dele, segurou-lhe a face com uma das mãos e gritou com violência:


- Sei muito bem o que ele planeja. Vou esperá-lo muito bem preparado. E quanto a você, meu rapaz, se quiser fixar residência aqui, a partir de agora, será poupado de longa e dolorosa viagem.


O jovem soldado fitou o general, que naquele momento lhe parecia ainda mais alto e mais forte, antes de responder com estranheza:


- Não posso, senhor... Meu general me aguarda. 


Com ar prepotente e arrogante, Licínio ordenou:

- Pois bem, que assim seja. Quero dar uma resposta contundente ao seu senhor.


E chamando um de seus homens, ordenou:


- Levem-no ao poste. Cem chibatadas, depois deixem-no partir.


O rapaz fitou o imperador com os olhos arregalados, mal acreditando no que escutava. 


Sabia que Licínio era um general duro e muito experiente, mas jamais esperaria tal atitude de um outro soldado. Sem dizer palavra, foi arrastado pelos guardas e chicoteado impiedosamente. 

Depois, colocaram-no sobre o cavalo e mandaram-no partir. Embora muito machucado, ele conseguiu conduzir seu cavalo até a divisa dos domínios do Oriente com os do Ocidente. Foi socorrido pelos colegas e logo acomodado em um leito, para receber tratamento. Antes de ficar inconsciente, disse com enorme esforço:
- Ele não permitirá...


O general, que pessoalmente o auxiliava, acalmou o rapaz:


- Nós já sabemos. Agora, descanse.


Logo o soldado ficou inconsciente. E depois de duas noites naquele estado, não resistiu aos ferimentos que, associados à longa jornada, ceifaram-lhe a jovem vida. Alguns dias depois, Constantino chegou ao acampamento, com seu exército já arregimentado e ordenando que todos os seus melhores homens, espalhados pelo império, se juntassem a ele para a batalha iminente. Policarpo, o general responsável pelo acampamento próximo à divisa, detalhou o estado em que o jovem chegara. Cheio de ódio, Constantino fê-lo repetir a narrativa a todo o acampamento e, ao final, mostrando-se indignado, proferiu suas ordens da maneira mais eloqüente:


- E por essas decisões arbitrárias que temos de tomar o reino do Oriente das mãos de Licínio. 


Invadiremos Bizâncio e subjugaremos o imperador do Oriente e seus homens mais fiéis. Chega de agressões descabidas. Primeiro os cristãos, depois minha própria irmã quase morreu nas mãos desse monstro, e agora esse jovem inocente, que simplesmente cumpria ordens, deixando sua família, por estupidez absoluta.

Fez longa e calculada pausa, e depois concluiu:


- Não toleraremos mais isso! Sigam-me e seremos vitoriosos! Vou liderá-los pessoalmente nesta batalha e, ouçam bem o que digo, nós venceremos!


Envolvidos pela emoção que as palavras inflamadas de Constantino lhes causavam, eles gritaram, liderados pelos homens de confiança do imperador:


- Ave César, único imperador de Roma!


Constantino fitou os seus homens a ovacioná-lo e emocionou-se. Eram mais de 100 mil homens a gritar diante dele. Sentia com todas as forças que venceria Licínio e se tornaria o único imperador. 


Era esse, agora, seu propósito. Toda a sua força estava voltada para esse fim. Retirou-se com seus generais, para organizar o ataque que fariam em breve à capital do Oriente.

Durante vários dias o exército de Constantino avançou mais e mais, rumo a Bizâncio, cidade que pretendiam dominar e ocupar. De fato, Constantino desejava fazer dela a sede de seu império. Famosa pela posição estratégica que ocupava, desde muito havia despertado o interesse do grande general. Quanto mais avançavam, mais crescia o número de soldados. Acampavam à noite, e mal o dia amanhecia todos se punham a caminho. Superaram o frio e regiões de difícil acesso, mas foi às margens do rio Ebro, pouco distante de Bizâncio, que foram obrigados a parar, dada a violenta correnteza que dificultava a tra-vessia dos 120 mil soldados, entre homens de infantaria e cavalaria.


Constantino determinou que acampassem:


- E inútil avançarmos agora. Precisamos entender bem a situação de nosso oponente. Passaremos esta noite aqui.


Marco observou, preocupado:


- Acho bom mesmo descansarmos. Os homens estão exaustos .


- Pois ficaremos aqui por ora. Marco, quero que envie uma pequena tropa de seus melhores homens - pequena mesmo, dois ou três - para que verifiquem a situação logo após o rio. Precisamos saber exatamente a situação de Licínio.


Atendendo de pronto à ordem de seu imperador, Marco retornou algum tempo depois, informando:


- Estão a caminho. Enviei três de meus melhores soldados.


- Ótimo. Aguardaremos o retorno deles. Quero que montem vários turnos de descanso, e que metade dos homens esteja sempre desperta e em alerta. Licínio pode atacar a qualquer momento.


Marco indagou, surpreso: 


- Acredita mesmo que ele planeja atacá-lo, senhor?

- Acredito que um homem desesperado seja capaz de qualquer ação.


Ao final da tarde seguinte, os três experientes soldados retornaram trazendo informações precisas e preciosas, que foram logo levadas a Constantino.


- As tropas de Licínio ocupam as planícies de Adrianópolis. Estão espalhadas por terrenos elevados, o que definitivamente lhes garante vantagem, pelas condições do terreno.


- Quantos homens?


- E grande demais o seu exército. Meus homens ficaram muito impressionados. Relataram que o campo está como coberto por formigas. São muitos homens. Garantem que excede em número nosso exército.


Constantino ficou longo tempo pensando e depois ordenou:


- Iniciaremos a construção de uma ponte ainda de madrugada. Quero muitos envolvidos nessa construção. Metade dos homens deve se dedicar à empreitada.


Os generais de Constantino o ouviam atentos. Jamais questionavam suas ordens ou suas estratégias, que muitas vezes não compreendiam, mas sabiam que elas já haviam concedido àquele exército mais de dezessete vitórias; portanto, confiavam em seu general. E o seguiriam lealmente até a morte.


Vários dias se passaram, e a ponte se erguia pouco a pouco sobre o rio.


Naquela noite, ao despedir-se de seus homens, Constantino sabia que a hora de atacar havia chegado. Sabia que o oponente acompanhava suas manobras, e chegara a hora de surpreendê-lo. No meio da madrugada, mandou chamar seus três principais generais e ordenou:


- Quero um regimento com cinco mil arqueiros. 


Vamos atravessar o rio e nos embrenhar pela floresta densa; surpreenderemos os homens de Licínio pela retaguarda. Eles não nos esperam. 

Meu objetivo é atacar o acampamento de Licínio.

Os generais se entreolharam, surpresos pela ordem inesperada; no entanto, não ousaram sequer fazer qualquer comentário. Obedeceram de pronto. Sabiam que o elemento surpresa seria fundamental na ousada estratégia de Constantino.


Antes de saírem, Marco virou-se para Constantino e perguntou:

- Permita-me saber se poderei estar entre os líderes desse ataque.


- Você e os demais, meus homens de confiança. E eu, pessoalmente, vou liderar o ataque.


Fazendo posição de sentido e olhando com profunda admiração para aque-le jovem general que estava diante dele, Marco se retirou. Ao sair da tenda de Constantino, cruzou com Crispus, filho mais velho do imperador, que entrou ansioso, indagando: - Vai sair à batalha, meu pai?


- Assim que os homens estiverem prontos.


- Quero acompanhá-lo.


- Seja paciente, Crispus, tenho planos para você.
- Que planos, senhor?


- Dada a sua habilidade náutica, quero poupá-lo para o possível confronto que teremos com a armada de Licínio, que ocupa o estreito de Helesponto. Temos de derrotá-los no mar para poder aniquilá-los de fato. Não podemos correr o risco de desembarcarem e nos atacarem no momento em que estivermos para invadir Bizâncio. O que sabe sobre a armada?


- Sei que é poderosa, com mais de 350 navios grandes e bem equipados ocupando todo o Helesponto.


Fitando o rapaz como a desafiá-lo, o mais velho inquiriu:


- E o que você pensa sobre isso? O que acha? 

Pode vencê-los? Crispus pensou um pouco, depois continuou:

- Nossa frota é bem menor, é verdade, mas nossos homens são leais e corajosos. Aguardam suas ordens, prontos a obedecer.


Tocando com a mão direita o ombro do filho, Constantino autorizou:


- Muito bem, meu filho, aguarde minhas ordens. Permaneça no acampamento. Sua luta será no mar.


Diligente, o rapaz assentiu com a cabeça e respondeu:


- Atenderei prontamente às suas ordens.


- Voltarei em breve com a vitória para prosseguirmos rumo à conquista definitiva de Bizâncio e à derrota final de Licínio. Quero que destrua completamente sua força náutica; transforme-os em fumaça...


Crispus tão-somente respondeu:


- Pois assim será!


Logo em seguida Marco entrou e comunicou:
- Estamos prontos, senhor.


Constantino vestiu a armadura, empunhou a pesada espada que o acompanhara em tantas outras batalhas e, fitando-a como a conversar com ela, conclamou em alta voz:


- À vitória!

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